segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A ARMADILHA ESPIRITUAL



A ARMADILHA ESPIRITUAL
Você já reparou como fazemos com que tudo gire em torno de nós? Quantas vezes, ao escutar um amigo que passa por dificuldades, interrompemos o desabafo e contamos um problema nosso ao invés de oferecer um ombro amigo?
Ao ouvir a tragédia do outro, algumas pessoas ocupam a mente tentando tirar uma lição para a própria vida, tanto, que acabam esquecendo completamente da dor de quem passa pelo problema.

Para fazer o trabalho espiritual de encolher o ego, precisamos também nos retirar do centro das atenções, afinal, esse lugar pode ser uma grande armadilha. Podemos ficar tão envolvidos com o estudo e com a tentativa de melhorar nossas vidas, que esquecemos de que ser espiritual é importar-se com os outros.

Como o ditado sábio fque diz: “Quando você se ocupa cuidando dos outros, a Luz ocupa cuidando de você”.

Para realmente ser um exemplo e viver a sabedoria da Kabbalah, deveríamos nos esforçar para chegar a um ponto em que nossas vidas sejam mais dedicadas a ajudar os outros. Nesta semana, repare quanto tempo você gasta para melhorar o dia a dia dos outros e encontre uma forma de aumentar esse período, pouco a pouco.

Talvez isso signifique passar mais tempo fazendo trabalho voluntário, entrar em contato com um membro da família com quem você não fale há muito tempo para saber como vão as coisas ou almoçar com alguém que realmente precise de um amigo. 
O que quer que seja, assegure-se de que venha do coração; de que parta do verdadeiro desejo de ajudar sem receber nada em troca. 

Se quisermos mudar o mundo, as coisas não podem girar em torno de nós.

Tudo de bom,

Yehuda Berg

Ajude-se


Ajude-se

Se não tivermos estrutura e disciplina em nossa jornada, nunca chegaremos a lugar nenhum.

A única maneira de liberar nosso potencial pleno e de nos tornarmos tudo o que estamos predestinados, é sair de nosso condicionamento e comportamento pré-programados.

Hábitos fazem parte da natureza humana. Podemos criar rituais que nos trazem Luz ou desenvolver hábitos que geram escuridão. Se não conseguirmos fazer com que rituais de Luz se tornem parte de nossa rotina diária, um vazio se abrirá em nossa vida. O Ego, então, nos compelirá a preencher esse espaço com comportamentos destrutivos.

Ajude-se. Quais serão os hábitos destrutivos (fumar, comer para compensar carência, fofocar, alimentar comportamento negativo dos outros) que você substituirá por práticas positivas (economizar dinheiro, fazer ginástica, rezar, meditar)?

Tudo depende apenas de você.

Yehuda Berg.

Nunca é tarde demais


Nunca é tarde demais 



Há uma passagem bíblica  no livro de Gênesis (Bereshit) que relata que Abraão se torna o líder de uma grande nação aos cem anos de idade. Eu e você podemos considerar submeter-se a isso em tal idade como uma mudança dramática, especialmente quando há alguns de nós que, aos quarenta ou cinquenta anos, dizem: “Mudar? Eu? Por quê? Metade da minha vida já se foi. Estou velho demais para isso!”

Entretanto, se observarmos a vida de diversos líderes ao longo da história, veremos que alguns deles nem ao menos tinham iniciado suas carreiras aos quarenta e poucos anos. Na verdade, muitos daqueles que realizaram grandes feitos neste mundo levavam vidas completamente diferentes até que, na meia-idade, se superaram e realizaram uma mudança.

A energia desta semana nos desafia a quebrar nossa zona de conforto – não importa a nossa idade ou quão longe pensamos que chegamos – e a aceitar a responsabilidade pela Luz que viemos compartilhar com o mundo.

A verdade é que foi dada a cada um de nós uma quantidade exata de tempo no corpo físico que abriga nossa alma. Muitas vezes, temos a capacidade de realizar grandes feitos neste mundo, mas sempre que uma nova oportunidade aparece, nos sentimos intimidados e dizemos: “Ah, não estou preparado para isso” ou “Eu já fiz isso” ou “Não acredito que eu deva seguir por esta direção”. Quando isso acontece, entretanto, o Universo questiona: “O que posso fazer para colocar essa pessoa contra a parede para que a Luz dentro dela possa ser revelada e compartilhada no mundo? Como posso fazer com que essa pessoa mude?”.

Abraão foi um dos maiores astrólogos de todos os tempos. De acordo com o que viu mapeado nas estrelas sobre seu futuro, ele descobriu que não podia ter filhos. Mas sabemos que teve. O ponto é que o Criador disse a Abraão: As estrelas compelem, mas não impelem. Por ter se transformado espiritualmente – aos 100 anos de idade – Abraão foi capaz de mudar o curso de sua vida.

Nesta semana, é importante sabermos que podemos mudar o rumo de nossas vidas. Nem tudo que foi planejado para nós pelos Céus precisa acontecer. Está escrito que cada pessoa tem anjos que podem tanto dançar quanto chorar em nossa presença, mas isso depende exclusivamente das palavras e ações que escolhemos dizer e fazer.
Todas as ferramentas espirituais que temos a nosso dispor estão ali simplesmente para nos ajudarem a entender em que ponto estamos e o que podemos fazer. Cabe a nós escolher transformar nosso potencial divino em realidade através da mudança interna e de ações compartilhadoras.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

ÍNDIOS GOITACÁ, COROADO. PURÍ - OS INDIOS DE VALENÇA E SUAS a e CARACTERÍSTICAS


OS INDIOS DE VALENÇA E SUAS a e

CARACTERÍSTICAS 

 suas 
Coroados — era a alcunha dada pelos portugueses aos índios que habitavam a região existente entre os rios Paraíba e Preto, em virtude de terem esses mesmos índios, o hábito de cortar os cabelos no alto da cabeça, à semelhança dos nossos sacerdotes, ou de conservar somente uma calote de cabelos. Esses índios eram conhecidos, também, pelo nome de “Coroados do Rio Bonito”, nome ligado ao ribeirão que banha o município de Valença; essa denominação tinha por fim evitar que se confundissem, com os Coroados de Mato Grosso, Goiás, S. Paulo e Paraná, também conhecidos, nos sertões de Curitiba, por “Dorins”.

Os índios de Valença, segundo observa Saint Hilaíre, ter-se-iam originado dos índios Goítacazes que, repelidos pelos portugueses, em 1630, dos campos vizinhos da foz do rio Paraíba (Campos), se embrenhavam pelas florestas das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. O cientista francês nos dá notícia de que os Goitacazes não poderiam ter conservado, em florestas quase impenetráveis, os costumes adquiridos em campo aberto. Renunciaram a sua basta cabeleira, e o modo por que a cortavam fazia com que os vencedores lhes dessem o nome de “Coroados”.

Escreve A. Gonçalves Dias:

“Entre as mais nações se distinguiam os Goitacazes, habitantes das férteis campinas de Campos, que deixavam crescer o cabelo, em sinal de liberdade, motivo por que anteriormente o cortavam a seus escravos; mas, afugentados pela força das armas para o interior de Minas, e estabelecendo-se de preferência nas terras banhadas pelos rios Pomba e Xopotó dos Índios, já não puderam conservar o mesmo distintivo que lhes embaraçava a marcha através das florestas: apararam então o cabelo em roda da cabeça, e este costume lhes valeu a designação de Coroados, com a qual é hoje conhecida aquela antiga tribo, a qual, na sua emigração, se incorporavam os “Coropós “.

“Os Coroados, descendentes dos Goitacazes, combatiam também no campo; no princípio traziam o cabelo todo crescido; mas, obrigados a refugiarem-se nas matas, tiveram de o cortar para se não verem embaraçados em suas marchas, e com a perda deste costume enfraqueceu-se sem dúvida o sentimento de liberdade, que, entre eles, como entre os Francos, a cabeleira simbolizava.”

                                                                   
      
              Uma índia “Coroado”                                                       Um índio “Coroado”
                                                                 (Rugendas)  
  “As tribus que em maior número dominavam a província do Rio de Janeiro — escreve Joaquim Norberto de Souza Silva — parecem descender dos “Goitacazes”: — já pela semelhança de linguagem — já pela igualdade nos costumes e usos. Tais são, sem dúvida, os Guarulhos, os Coropós, os Coroados e os Puris (também conhecidos pelo nome de “Purus”), que desceram dos mais remotos sertões, e vieram dos Andes. Os Goltacazes dominavam as margens do rio “Paraíba” (Gabriel Soares de Souza — Noticia do Brazil, 1a parte — cap. 47 — pág. 67)Simão de Vasconcelos, em sua “Chronica da companhia de Jesus no estado do Brazil”, liv. 1, § 49, exprime-se assim a respeito dos “Goitacazes”: — “Nação de gentio pernicioso, bárbaro e terrivel por nome Goitacá. . . Era esta sórte de gentío a mais feroz e deshumana que havia por tôda aquela costa; em corpos eram agigantados, de grandes fôrças, déxtros em arcos, inimigos de tôdas as nações e tragadores sobremaneira de carne humana, de cujos ossos faziam grandes montes em seus terreiros, e era êste o mór brazão de seus feitos heróicos as muitas ossadas dos que matavam e comiam em guerras, assombro perpétuo daquela região.”

“Os “Coropós” ou “Coropoques”, que na opinião do bispo D. José Joaquim de Azeredo Coitinho foram vencidos pelos “Goitacazes”, e adotados pelos vencedores, formaram uma só nação com o título de Coroados (“Ensáio Econômico”, cap. 6, § 7, pág. 88), são ainda hoje conhecidos e distinguidos por “Coropós”, e foram aldeiados com os “Coroados”, e os “Puris” pelos “Capuchinhos Italianos”, e, no dizer de Eschwege, falavam a mesma língua.”

“E’ dificil saber o que sejam Coroados — comenta Joaquim Norberto de Souza Silva — tribus assim, conhecidas nas diferentes províncias do Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Rio de Janeiro, não obstante a saliente diversidade que existe entre elas (Miliet de Saint Adolfe, Dicc. Geogr. Hist. £ Des­cript. do Imp. do Brazil). No Rio de Janeiro, o nome de Coroados foi generalizado a todos os selvagens que se distinguiam pela maneira de cortarem o cabelo ou fosse em torno e no alto da cabeça, como os “Goitacazes”, ou só no alto da cabeça, ficando os cabelos longos e corridos, espargidos pelos ombros, como os “Ararís”, os “Xumetós” e “Pitás”.

“O príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, contestando a Ayres de Casal, (Corografia Brazílica, tomo I, pág. 53) nega que os “Goitacazes” sejam os “Coroados” (Voyage au Brésil, tomo I, chap. V, pág. 197), por deixarem êstes crescer o cabelo, quando o autor de Ensaio Econômico é tão explícito a este respeito: “E suposto, ajunta o bispo que foi de Pernambuco, hajam outros muitos índios que também cortam o cabelo ao redor da cabeça, como circírio de frade, contudo os índios “Goitacazes” são hoje chamados por antonomásia os Indios Coroados (Cap. VI, § 7o , pág. 88).
   
                            
                                     Indios Puris em cerimônia de dança (des. de Debret)

E continua comentando Joaquim Norberto de Souza Silva: “Os “Purís”-  diz Eschwege que - “êles exprimem nêsse nome a sua índole propensa a rixas e brigas”. — JournaBrazileiro, tomo 1, pág. 108)O autor da Notícia que se acha no “Livro 1 do. Tômbo da freguezia de S. João Baptista de Queluz” afirma que purí ou pachí quer dizer manso,e que disso jatam” (Revista Trimensal, tomo V, pág. 69). “Os “Purís” — como diz Joaquim Norberto — foram por muito tempo senhores de vastos sertões, derramados pelas províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, em contínuas guerras com os Coroados e os Boticudoso que tem concorrido para facilitar o seu aldeiamento. São pequenos na estatura, de côr morena e valorosos, si bem que pérfidos na guerra (Ayres do Casal — Corograjia Brazílica, tomo 1, pág. 59). Errantes, suas habitações consistem em ligeiras cobertas de folhas sustentadas por váras, onde acendem fogueiras para se resguardarem do frio; sustentam-se da pesca que lhes fornecem os rios; da caça que encontram nos bosques e de frutos silvestres, principalmente de palmeiras (J. de Laet — Novus Orbis, liv. XV, cap. 4. pág. 549).

                                         
                             
                     Um índio “Puri”                                                            Uma índia “Puri”
                                                                   (Rugendas)
Outras tribos de índios que também reputamos tapúias, existiam pelo interior; mas destas muito de leve nos ocuparemos, porque só muito posteriormente á conquista é que se acharam em contacto com os europeus. Degenerados então, confundidos com os Tupys, influenciados pela civilização ainda que esta se barbarizava nos colonos e seus descendentes, convertidos em soldados de bandeira e caçadores de homens, tudo na sua vida e costumes indicava a fusão de tribos diferentes, e tal que foram muitas delas classificadas como formando - uma só raça.

E’ isto o que Ferdinand Denis conjectura dos Coroados: “Poder-se-ia supor, diz este autor, que os Coroadosformavam um grande povo intermédio entre os “Tupys” e seus inimigos naturais.”

Com referência aos Coroados de S. Paulo, Saint Hilaíre escreveu:
“Além disso, os traços dêstes últimos são bastante agradáveis, a julgar pelas duas indias que vi, em 1820, em Curitiba, e, ao contrário, como disse no relato de minha primeira viagem, não há, talvez, indígenas mais feios do que os do Rio Bonito. As duas nações não têm, assim, de comum, senão o nome que não é propriamente o seu, mas o que lhes foi dado pelos portuguêses, e, provàvelmente, nem mesmo indica uma perfeita identidade na maneira de cortarem seus cabelos, porque os Coroados, de S. Paulo, fazem uma espécie de tonsura no alto da cabeça, e parece que os do Rio Bonito reduziam outrora sua cabeleira a uma calote arredondada corno a dos Botucudos”.

O escritor francês Debret adianta que os índios de Valença cortavam os cabelos de maneira a formar uma espécie de coroa no alto da cabeça; entretanto, muitos deles usavam a cabeleira negligentemente caída sobre os ombros.

Os Coroados de Valença deixavam crescer a guedelha, ou usavam cercilho; mas, o uso mais geral era tosquiar e aparar o cabelo regularmente, obedecendo a uma linha que passava pela altura das orelhas.

Existiam em todo o sertão, que separava as províncias de Mato Grosso e Goiás, tribos de índios com essa denominação, em número de oitenta grandes aldeamentos, indômitos, exercendo carnificina e tropelias tais que obrigavam o governo a expedir “bandeiras” para bate-los, o que, em vez de serená-los, mais lhes exarcebava o rancor.

Os Coroados de Valença se compunham de duas hordas: os “Tampruns” e os “Sararicões”, selvagens mestiçados que se confundiam; entretanto, faziam parte deles outras hordas, como os Puris, índios tão mesquinhos em seu físico e célebres pelo seu espírito rixoso. Apaixonados e ciumentos, os Puris, iam ao extremo: adotavam, temporariamente, a poligamia, consistindo a união conjugal em ser o pai da noiva brindado pelo pretendente, que a recebia como retribuição do seu presente.

Os Araris eram outras tribos que promoviam incursões em Sacra Família do Tinguá, em Conceição do Pati do Alferes e em Conceição da Paraíba Velha, freguesias próximas, onde resistiram, por algum tempo, à marcha da Civilização.

O Padre Manoel Aires do Casal, autor da Chorographia Brazilica, publicada em 1817, cuidando de Valença, assinala que — “Valença era uma aldêa consideravel, de quatro hordas de indios christianizados “.
                                                                                                                      
Em Valença — comenta Rodolfo Garcia, em seu livro Explorações cientificas no Brasil — existiam os remanescentes de quatro tribos: os “Purus”, os “Araris”, os “Pitás” e os “Xumetós”.

Debret afirma que os Coroados se confundiam com os Coropós e essas duas nações semelhantes — fragmentos da raça dos Tapúias — uniam-se para fazer guerra aos Purus que os perseguiam sem cessar, embora fossem de origem comum. E’ sabido que os Coropós e a maior parte dos Coroados eram civilizados.

                                                         
       
                       Uma índia “Coropó”                                            Um índio “Coropó”
                                                                  (Rugendas)

Debret se refere a que os Puris (*) eram selvagens da grande família dos Tapúias, os quais se dividiam em várias tribos, continuamente em guerra. O nome genérico da nação dos Puris tem sua origem na língua dos Coroados, e quer dizer — “audaz” ou “bandido” — nome insultante que lhes foi dado por estes últimos, por causa da guerra contínua que lhes moviam os primeiros; do mesmo modo, os Puris, indignados com o epíteto, chamavam, também, osCoroados de — “puris”, para injuriá-los.
(*) Segundo alguns autores, “Puris» quer dizer antropófagos.

Outras denominações havia, das quais se não pode fazer menção para excitar idéias desonestas.

Observa Varnhagen que tais alcunhas não tinham lugar entre os índios da região valenciana, mas também entre outras raças.

Para o lado de Conservatória (Santo Antônio do Rio Bonito) existiam os índios Araris, supostos descendentes dosBacumins, cabilda que, segundo Nélson de Sena, teve representantes entre Rio Preto, Valença e o vale do Paraíba, na linha divisória dos territórios fluminense e mineiro.
   
Uma índia da família dos "Purus" (Des. de Debret)

Milliet de Saint Adolphe deu a denominação de Purus aos índios dessa região. Entretanto, Rodolfo Garcia, na sua memória sobre etnografia indígena, publicada no Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, assinala “Puris”, sem qualquer explicação.

Joaquim Norberto, ainda em sua Memória sobre as aldeias dos índios da Província do Rio de Janeiro, acha que os índios Purus eram descendentes dos Goitacazes, em vista da flagrante semelhança de linguagem, de usos e de costumes.

Em virtude da confusão reinante nas crônicas antigas, e das dúvidas levantadas pelos estudiosos, a contradição veríficada nos documentos conservados não permite conhecer-se, em definitivo, todas essas tribos errantes. Não tinham tais tribos habitação fixa: mudavam-se voluntariamente, ou eram compelidas pelos inimigos indígenas ou deslocadas pelos brancos desbravadores.

Seja como for, a denominação Coroados ficou consagrada pelo uso antigo. A denominação Purus persiste como geralmente a mais conhecida, e é encontrada no Dicionário Geográfico, Topográfico e Etnográfico do Império — de Moreira Pinto. (Pág. 753 — vol. II).

Taunay, citando Ribeyrolles, escreve:
                                                                                                                                                                 
“E si por volta de 1798, nesse ano de imenso fragor e procelosas tempestades, qualquer estrangeiro se desgarrasse pelas matas intermediárias aos rios Paraíba e Preto, descortinaria, apenas, por aquela zona bravia, choupanas cobertas de palmeiras, residências dos fidalgos da Natureza, apelidados “bugres”. Estes índios da triboPuris, raça pequena, cor de cobre carregada, e dos Araris, mais claros e membrudos, verdadeiros guerreiros de flecha, faziam freqüentes correrias pelas terras dos civilizados, de modo que as gentes das freguesías do Paty do Alferes e de S. Pedro e S. Paulo da Paraíba faziam, a custo, suas derrubadas no meio das tormentas do céu e das avalanches da Mantiqueira”.

Conquanto indolentes, esses selvagens eram possuidores de bondade e muito apaixonados pela caça e pesca, e aceitavam facilmente a domesticidade.

Saint Hilaíre, avistando-se com os índios de Valença, na fazenda de Ubá, achou-os feios, imundos, grosseiros, acanhados e imbecis.

Oliveira Viana nos relata em Evolução do Povo Brasileiro que os índios Purus Coroados, pintados por Rugendas, ao contrário de Saint Hilaire, eram de rara beleza, principalmente a índia Puru.  

Um índio “Coroado” não civilizado - Des. de Joaquim Alves
As principais características dos índios de Valença, relativamente aos Coroados, se definem pela sua compleição robusta e musculosa, mostrando eles uma fisionomia sempre agradável, apenas tornando-os feios, o uso estranho dos cabelos, como observa aquele escritor.

Os Coroados, segundo o botânico Saint Hilaire, eram feios, de estatura baixa, cabeça enterrada sobre largas espáduas e achatada no alto e de grande volume. A pele se apresentava com uma cor de tijolo característica, bastante esmaecida, geralmente pintada de urucu, que lhe dava uma tonalidade estranha. Estúpidos, indiferentes, tristes e apáticos, considerava-os o naturalista francês, que assim escreve:

“Só encaram com quem os agrada e lhes faz presentes, e seus modos fazem lembrar os dos indivíduos da nossa raça, quando acometidos de imbecilidade. Ora mostram uma espécie de timidez ingênua, e quando se lhes fala, abaixam a cabeça como o fazem as crianças; ora dão francas gargalhadas sem que se saiba do que as provocou “.

Nada lhes agradava mais que um presente de alfinetes... Não lhes causava grande prazer se lhes oferecesse, de presente, um espelho: os homens, apenas, o contemplavam, indiferentes; e as mulheres, mirando-se nele, repeliam-no, brusca e inesperadamente ocultando o rosto com as mãos. Aqueles, porém, que estavam em contacto mais direto com os brancos (portugueses), acabavam por aceitá-lo e serviam-se dele como faca...

COMO VIVIAM OS COROADOS

Entre os índios, cada família elegia o seu chefe, cuja autoridade sobre os selvagens, que viviam dispersos nas matas, era muito limitada.

O governo dos índios era dos mais infelizes! Tudo se reduzia ao “cacique”, que era cabeça de governo. Em geral, o “cacique” era uma espécie de rei e senhor de trinta, oitenta ou cem famílias que lhe obedeciam, acompanhando-o com afeição, mediante a paga de algum tributo. Lavravam suas terras e colhiam seus frutos.

Os índios livres de gravames eram fiéis aos “caciques”: tributavam-lhes o mais terno carinho e lhes eram sinceramente solidários.

O “cacicado” passava de pai a filhos, herdando-o o primogênito, e, na falta deste, o segundo ou terceiro filho. Às vezes, sem taxar de usurpação, se algum índio se tornasse célebre por suas façanhas militares e adquirisse muitos adeptos, estes o aclamavam “cacique” e o constituíam seu rei, a quem obedeciam cegamente: Toda a distinção entre nobreza e plebe vinha dos “caciques”: os que não eram da raça de “caciques”, eram tidos por plebeus; mas, os desta raça eram considerados com respeito e veneração.

Os índios não só olhavam com distinção os “caciques”, mas, também, a sua descendência. Eram, com efeito, dotados de caráter nobre e majestade varonil. Na sua extrema pobreza e em sua rudeza, apreciavam as atitudes nobilitantes, e se sentiam honrados de ser senhores de vassalos, que o serviam com fidelidade.

“Não consta que tivessem leis para regular seus costumes; viviam sem Deus, sem lei estável. As leis que mais os caracterizavam estavam na prática da sensualidade sem limite das mulheres, da embriaguez ordinária, do ódio violento, das vinganças atrozes, das superstições e da ambição descomedida de subir ao grau supremo de feiticeiro ou de mago extraordinário. Iniciavam-se, com certas cerimônias, por intermédio de outro feiticeiro ou mago, que, então, “ungia” ao candidato com graxa de animais, em todo seu corpo nu, como ordinariamente andavam.

“O pudor entre os Coroados era, então, desconhecido. Os indígenas de ambos os sexos satisfaziam suas necessidades biológicas — publicamente, com a maior naturalidade, “como si bebessem água quando tivessem sede”. Conquanto mais recatados, depois de se familiarizarem com os brancos, os índios Coroados não compreenderam logo a noção da decência que os portugueses lhes ensinavam a... desprezar, corrompendo-os, em vez de civilizá-los. As mulheres indígenas não se envergonhavam dos gestos pouco decentes dos brancos e não raramente cediam às menores solicitações...”
                                                                 
Segundo observam alguns historiadores, os índios Coroados, muitos deles, se cobriam com um couro preso aos ombros, até pouco abaixo dos joelhos. Muitos faziam um tecido de penas que atavam à cintura, e, as vezes, ao redor da cabeça, em tempo de guerra, ou durante as festividades. Alguns se cobriam com peles de animais diferentes. Índias de certas tribos eram mais recatadas e menos licenciosas. Não é exagero dizer-se que os índios Coroados, tanto os homens como as mulheres, andavam sem o menor vislumbre de recato.                        
   
                                    Um índio "Coroado" civilizado (Des. de Joaquim Alves)
A indumentária era simplesmente extravagante: os chefes usavam “cocares” em  ocasiões solenes, e, às vezes, usavam-nos para se abrigar do sol. Eram feitos de penas amarelas e vermelhas — cores de sua predileção. Os “cocares” cobriam o crânio até as orelhas, aos quais se dava a denominação de acanguape, que quer dizer — “guarnição para a cabeça”. Nos pés traziam uma axorcas, feitas de certos frutos que, juntos, tiniam como cascavéis, e da cintura lhes pendia uma espécie de tanga constituída de plumas de ema.

Mais usual que as penas, era a pintura, que os Coroados usavam sob duas formas distintas: pinturas leves, que se apagavam facilmente, e pinturas indeléveis, que se fixavam resistentemente. A primeira classe de tintas provinha de sumos de ervas, de mistura com barro de cores diferentes, com que, se desenhavam, sobre o corpo, figuras disformes, confusas e extravagantes. A segunda classe de tintas, destinadas a pinturas fixas, era constituída do molho de uns pós de certas ervas; e, quando a infusão estava no ponto certo que conheciam, nela molhavam a ponta de um espinho com que, então, picavam o rosto e mais partes do corpo, até que afluísse o sangue que, misturado à tinta, formado um botão, deixando visível sinal no lugar picado.

Relativamente aos adornos, os índios de Valença tinham particular predileção pelos brincos de favas, pelos colares de pedrinhas e pelos dentes de animais. As velhas índias de algumas tribos tinham, por dever, o privilégio de arrancar aos defuntos os dentes com que confeccionavam adornos de variado gosto.

Os “caciques” Coroados usavam o cetro, feito de coco decorado com desenhos coloridos. Enfeitavam-se com cordões de plumas vermelhas, enrolados quatro vezes ao pescoço. Usavam, igualmente, presos ao tornozelo e pernas, vistosos adornos feitos de penas de aves. Do seu busto caíam cordões e enfeites de várias cores, constituídos de pequeninos ossos de animais e aves. Eram os “balangandãs”... da época.

Os índios Coroados tinham o desmesurado vício da aguardente. Tudo faziam, a tudo atendiam e por tudo se sacrificavam por uma boa dose de cachaça. Conta-nos o naturalista francês Saint Hilaire a seguinte passagem: “Logo que cheguei (ao visitar a fazenda de Ubá), pediram-lhes que dançassem e não foi sem custo que anuiram, prometendo-se-lhes que ganhariam aguardente...”

E explica Saint Hilaire: “Em duas filas — os homens na frente e as mulheres atrás — eles, com seus arcos e flechas em posição horizontal; elas, as que amamentavam, conservavam os filhos nos braços. Um cântico lúgubre e monótono era o início das danças: — adiantavam-se uns aos outros, grave e compassadamente, ora com um, ora com outro pé. Caminhavam em linha reta uma dúzia de passos; depois, toda a fila retrocedia; os que estavam à frente passavam para trás, e vice-versa, e recomeçavam em sentido contrário. A essa primeira dança seguia-se outra, com a qual — diziam os índios — celebravam a derrota do jaguar, e a acompanhavam cânticos menos tristes. Avançavam do mesmo modo, em duas filas, mas em espaço mais curto; em vez, porém, de manterem o corpo erecto, curvavam-se para frente, tendo uma das mãos sobre o quadril e saltavam com mais vivacidade”.

Os índios que se internavam pelas matas de Valença, sem habitações permanentes, vivendo exclusivamente da caça, já se iam acostumando com alimentar-se de feijão e fubá. As mulheres tinham o hábito de, às mãos cheias, comer com os dedos. Os homens usavam cascas de madeira, à maneira de colher, e tinham o costume de comer, juntos, à beira de grande gamela. Os índios Purus alimentavam-se da caça e comiam carne assada, extremamente tostada. Não raro, os selvagens tinham grande apetite pelos frutos, principalmente pelas raízes. O inhame, comiam-no os índios sob a forma de farinha, ou cozido na água, ou, ainda, assado - na brasa. O cipó, também conhecido dos indígenas pelo nome de cará do mato, era comido cozido ou assado. O aipim — também denominado mandioca mansa, cuja raiz os selvagens comiam crua, cozida na água ou assada na brasa, indiferentemente — era o alimento predileto de algumas tribos.

Os índios Coroados eram muito práticos no serviço de transporte. Os Purus faziam uso de uma espécie de balaio, feito unicamente de folhas de palmeira, com o qual transportavam seus produtos de caça. Os Coroados usavam também, para o mesmo fim, outros tipos de balaio, feitos de folhas de caniços e de tiras de taquara poca. Para condução de água, o pote de barro cozido, chamado camucim, era muito usado pelos índios Coroados. Para a apanha da água, utilizavam de um pequeno utensílio muito cômodo, constituído de um coco atravessado por um pedaço de madeira que servia de cabo. Os Coroados eram exímios fabricantes de objetos de cerâmica, assim como peritos na arte de trançar. Faziam, com muita habilidade, arcos e flechas; sabiam aproveitar as fibras dos galhos novos de imbaúba e, com elas, fabricavam suas redes. Também fabricavam um tecido, muito forte, porém, grosseiro, com o qual faziam camisas para uso dos portugueses, que as encomendavam a troco de um pouco de aguardente.

Os utensílios dos índios se reduziam a testos para cozinhar a mandioca, panelas ou uma cumbuca para guardar farinha, bem como algumas cuias singelas, que serviam de copos para beber água, e, raramente, de pratos.

Com perfeição, confeccionavam redes (maquiras) e cordas (mussurana), feitas de várias espécies de embiras. O machado de pedra era uma das suas principais ferramentas.

O índio Coroado, a pretexto de que devia ir ligeiro para combater, isto é, desembaraçadamente, só levava o arco e a flecha, e tudo o mais, a mulher é que conduzia: a rede ao ombro, a cabaça e a cuia dependuradas a um lado, e o filhinho, numa tipóia, às costas.  
Outro utensílio indispensável à cabilda era a canoa (igara). O uso da trombeta militar só era feito pelo chefe para dar o sinal de combate e animar a coragem dos guerreiros durante a luta contra os inimigos indígenas. Esse instrumento, original pela sua feitura, era feito de madeira, e produzia um som bastante agradável. O bocal, pouco fatigante, era accessível à mais leve vibração dos lábios.

ÍNDIOS REIVINDICAM ANTIGO MUSEU DO ÍNDIO NO RIO DE JANEIRO PARA CRIAR A PRIMEIRA UNIVERSIDADE INDÍGENA DO BRASIL


ÍNDIOS REIVINDICAM ANTIGO MUSEU DO ÍNDIO NO RIO DE JANEIRO PARA CRIAR A PRIMEIRA UNIVERSIDADE INDÍGENA DO BRASIL




Afonso Apurinã, que está desde o início da ocupação, com o estádio Maracanã ao fundo. Foto: Renan Oliveira.
O antigo Museu do Índio, que fica no entorno do Maracanã, estádio de futebol carioca mais conhecido do Brasil, foi cercado pelas obras de reforma da arena para a Copa de 2014 no dia 29 de outubro de 2010. O espaço está ocupado desde o dia 20 de outubro de 2006 por diversas etnias indígenas, que reivindicam o imóvel para a construção da primeira Universidade Indígena do Brasil administrada por índios, cujo projeto também prevê um centro de referência para os nativos que chegam à cidade, um pólo de produção e difusão cultural ameríndia e um museu.
O casarão tem um valor simbólico para os índios por conta de sua história. Seu primeiro proprietário foi o Duque de Saxe, que em 18 de julho de 1865 doou o espaço à União para transformá-lo num Centro de Pesquisa sobre a cultura indígena, onde abrigou a Escola Nacional de Agricultura, atual Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), na baixada fluminense. Décadas depois o prédio virou a sede do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado pelo Marechal Cândido Rondon em 1910, que estabeleceu as bases da política indigenista republicana. O SPI funcionou no Rio até 1962, quando foi transferido para Brasília, e no golpe de 64, tendo como diretor o grande Noel Nutels, os militares tomaram conta da instituição abandonando a obra de Rondon. Com a pressão interna e internacional, resolveram extinguir o SPI e criar a Fundação Nacional do Índio (Funai), em novembro de 1967.
No dia 19 de abril de 1953, mesmo dia em que Darcy Ribeiro instituiu o Dia do Índio, foi inaugurado um Museu do Índio no local. O Museu do Índio ficou no prédio do Maracanã até 1977, quando foi transferido para o prédio que servia ao Instituo Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), em Botafogo, na zona sul carioca, onde também funciona hoje a Funai no Rio de Janeiro. Fora de funcionamento, a União passou a titularidade do terreno para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em setembro de 1984. Dois anos depois o Ministério da Agricultura se responsabilizou pelo prédio, que apesar de centenário não é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN), nem pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). Se o prédio atualmente é todo deteriorado e pichado por fora, por dentro é só o esqueleto.
Existem atualmente cerca de 20 pessoas morando no local, originárias de etnias de diversas regiões do país: Guajajara, Pankararu, Xavante, Guarani, Apurinã, Fulni-ô, Pataxó e Potiguara são algumas delas. Como o prédio está em ruínas, os indígenas construíram suas casas do lado de fora com barro. Os índios dão aulas em colégios, fazem apresentações em universidades e vendem seus artesanatos nas ruas. Isso graças à lei 11.645, que obriga às instituições de ensino a chamá-los para apresentarem sua cultura: “a gente vê que os livros didáticos não contam a verdadeira história do índio, é totalmente diferente”, critica Guarapirá Pataxó, liderança vinda da Bahia que está desde o início na ocupação. Ele trata da parte cultural, e afirma que os índios não têm apoio financeiro de ninguém, nem da Funai, e quase não recebem doações.
Ocupação do Museu do Índio
Ocupação "Aldeia Maracanã" no terreno do antigo Museu do Índio, edifício ao fundo da imagem. Foto: Renan Oliveira.
Como os índios não têm nada legalizado, a ocupação, batizada de “Aldeia Maracanã”, funciona como uma frente de resistência, que se reveza. Geralmente a pessoa fica durante um mês e volta para a sua aldeia, a fim de repor as energias para ficar no local, pois é cansativo devido às condições precárias e dificuldades na metrópole. Eles também já tiveram problemas com roubos, viciados em drogas e a presença de mendigos que entram no prédio abandonado, mas a resistência se mantém firme.
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio do advogado Arão da Providência, entrou com diversos processos administrativos para a reintegração do imóvel. O advogado explica que desde 2006 essas medidas visam à regularização fundiária para interesse social em imóveis da União, conforme é previsto na lei 11.418 da Constituição Federal. Já foram acionados o Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e Câmara dos Vereadores, além de um pedido de transferência do imóvel diretamente à Conab, do Ministério da Agricultura, proprietária do imóvel.
“Esse pedido foi feito em 2006 logo que nós reassumimos, e o delegado do Ministério da Agricultura aqui, o doutor Pedro Cabral, fez essa sessão e encaminhou o procedimento a Brasília e até hoje não saiu uma definição. São muitos interesses ali, é um imóvel valorizado, tem um interesse das empreiteiras que inicialmente já estavam dando como certo pegá-lo. Elas queriam fazer um grande shopping, uma coisa futurística que não tinha nada a ver com cultura e essas populações”, disse.
O Superintendente Federal de Agricultura no Estado do Rio de Janeiro, Pedro Cabral, afirmou que ainda não existe nenhum projeto definido para o local e há um diálogo com a secretária estadual de Turismo, Esporte e Lazer, Márcia Lins.
“Falaremos no momento oportuno qual será a destinação do imóvel, o estado ainda vai nos chamar para conversar. A memória dos índios será preservada, talvez com uma loja de artesanato para eles venderem seus materiais. Não me lembro de nenhum documento entregue pelos índios que ocuparam o museu para a cessão de titularidade do imóvel, e nunca fui informado de que eles têm uma proposta de criar uma universidade indígena no local”, afirmou.
A secretária de Turismo, Esporte e Lazer do Estado do Rio de Janeiro, Márcia Lins, informou, por meio da assessoria de imprensa, que estão ocorrendo reuniões sobre a destinação do prédio mas ainda não há nenhum projeto definido nem data para sua divulgação.
Arão diz que já houve reuniões no gabinete do Ministro da Agricultura e eles se comprometeram a não tomar nenhuma iniciativa sem comunicá-los, mas desde novembro do ano passado, na última reunião, nada lhes foi informado. Apenas foi indicado que o imóvel deve ser revitalizado até a realização da Copa do Mundo no Rio, disse. O laboratório da Conab em anexo ao antigo museu continua mantendo a água e a luz como apoio para a manutenção do espaço.
“A nossa reivindicação é de que mantenha aquele modelo de construção, que é histórico. Nós estamos aguardando que o governo federal cumpra o seu dever, porque ele é signatário de todas as convenções e resoluções internacionais. Na questão indígena temos o pior IDH, são as piores políticas públicas, não temos acesso à educação. Então aquele prédio reproduz muito bem as políticas públicas indígenas no Brasil”, critica o advogado.
Uma das lideranças da ocupação, Carlos Pankararu, afirma que os índios estão sendo descartados do diálogo e que o prédio não será entregue sem resistência.
“Ninguém nos informou nada, e nós não vamos entregar isso de graça não. Vai haver resistência e não vai ser pouca, porque nós estamos em pouco aqui, mas podemos trazer reforço de aldeias com mil índios se não tiver uma negociação. Vamos nos juntar com os movimentos sociais do Rio de Janeiro, dos morros, das baixadas, dos ciganos, dos negros e vamos unir as forças e fazer protesto”, afirmou.
Universidade Aberta Indígena
Urutau Guajajara, mestrando em linguística na Uerj e professor da língua Tupi na ocupação do Museu. Foto: Renan Oliveira.
A proposta dos índios é criar uma universidade no casarão do antigo Museu no Índio, como se fosse um centro de cultura. Isto já é relativamente desenvolvido em cursos de língua Tupi Guarani durante seis horas aos sábados para cerca de 20 alunos, muitos deles professores de universidades e escolas. E também ocorrem encontros mensais, quando são realizadas manifestações culturais, rituais, pinturas de corpo, comidas típicas das etnias na cozinha coletiva, ensinadas medicinas nativas e contadas histórias das tradições indígenas.  A proposta, segundo os ocupantes, é colocar em prática o projeto a partir do momento em que os direitos do imóvel forem cedidos, buscando o apoio de instituições parceiras como o Ministério Público Federal e Estadual, OAB-RJ, Comissão de Direitos Humanos da Alerj, Museu Nacional – UFRJ, Pró-Índio (Uerj), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), organizações indígenas, movimentos sociais, sindicatos, dentre outras.
Para tanto, Guarapirá explica o porquê de se criar uma universidade pensada pelos índios. O objetivo é que se crie uma universidade só para indígena porque hoje o índio tem dificuldade de entrar numa universidade. Muitos nas aldeias estudam só a língua materna local. Quando eles saem para a cidade grande têm dificuldade de falar o português ou outra língua, então é claro que ele não vai passar no vestibular”, afirma.
Segundo ele, no último senso do IBGE foi registrado 30 mil índios só no centro urbano do Rio de Janeiro, mas muitos não se assumem, fora os que estão no interior. Por ser perto do Maracanã, Carlos Pankararu defende a utilização do terreno como ponto turístico, principalmente durante a Copa do Mundo.
“Na universidade de Mato Grosso foram criados cursos para indígenas, com professores não indígenas. Temos parcerias não indígenas da UERJ, UFRJ, UFF e da rural. Nos interessam muito os cursos da Universidade Federal Rural, como gestão ambiental e agronomia. Se comportar podemos também criar um pólo de educação à distância para indígenas. Temos doutorando e mestrando em antropologia linguística, além da área de direito, e vários professores aptos a dar cursos”, explica Urutau Guajajara, de uma etnia do Maranhão, mestrando em linguística na Uerj e professor da língua Tupi na ocupação do Museu.
Objetivo da Funai
Guarapirá Pataxó, liderança vinda da Bahia que está desde o início na ocupação e é responsável pelas questões culturais. Foto: Renan Oliveira.
A visão dos indígenas é bastante crítica em relação à Funai e ao Museu do Índio, ambos em Botafogo, na zona sul carioca. Para eles, a Funai não quer que os índios saiam das aldeias e estudem, pois podem progredir e tomar suas posições, majoritariamente dominadas por brancos.
“Eles sabem que se o índio sair para fazer uma faculdade vai conquistar o seu espaço. Na Bahia mesmo nós temos muitos índios que ocupam cargos de chefe de posto, administração de Funai, médicos, advogados, vereadores. O objetivo da Funai é reprimir mais os índios”, afirma Guarapirá.
A Funai informou em nota que não dá apoio à ocupação porque para que a universidade indígena seja materializada no prédio é necessária a apreciação do Ministério da Educação. A instituição informou ainda que na sua folha de pagamentos são contabilizados 386 indígenas de diversas etnias, e alguns destes ocupam cargos de importância estratégica como o Ouvidor e alguns Coordenadores Regionais.
Quanto ao Museu do Índio, Guarapirá acha que não há um índio caracterizado no local mostrando a sua cultura, e sim artesanatos vendidos a um preço absurdo embora o material seja comprado muito barato nas aldeias. “É um museu para gringo, que você não vê um índio caracterizado mostrando a sua cultura. Não tem nada a ver com a cultura indígena, a não ser no mês de abril que eles botam uma etnia do Xingu para se apresentar”, disse.
O diretor do Museu do Índio, José Carlos Levinho, considera legítimos cidadãos os índios que ocupam o prédio do antigo Museu do Índio e como tais têm todos os direitos de reivindicação e negociação de suas necessidades junto aos órgãos compententes. Segundo ele, o Museu do Índio desenvolve atualmente projetos em parceria com 22 povos indígenas, de todas as regiões do Brasil, para o registro de suas línguas e culturas gerando acervos entregues às comunidades.
“Nos últimos dois anos, somamos 493 horas de filmagens de vídeo, 5.612 arquivos sonoros, 321 horas de gravações de áudio, 50.017 fotografias, 49 oficinas nas aldeias e sete no Museu do Índio, em Botafogo, e 105 aldeias abrangidas com população superior a 27 mil pessoas beneficiadas. Hoje, os pesquisadores indígenas, treinados nas oficinas de documentação, já estão produzindo grande quantidade de material por sua própria iniciativa”, afirma o diretor.
Urbanidade étnica
O ex-presidente da Funai e professor de antropologia da UFF e UFRJ, Mércio Pereira Gomes, elaborou um laudo antropológico que atesta a ancestralidade dos indígenas que ocupam o Museu, já que autoridades, com o fervor da mídia, a contestaram pouco depois da ocupação. No laudo é citado o valor “simbólico e sagrado do antigo ‘Museu do Índio’”, e a busca indígena por uma forma própria cultural de “um comunitarismo urbano”.
“Os índios que vivem atualmente nas dependências do velho Museu do Índio são membros reais e auto-conscientes de suas comunidades originais. Vivem como índios em suas comunidades e terras, (…) aqui eles estão porque querem viver outra vida. Os índios mencionados, e outros mais, que vêm e vão, estão nesse velho prédio do Museu do Índio, porque, conscientemente e também inconscientemente, querem inventar um novo modo de ser indígena. Não querem deixar de ser índios! Querem ser índios de um modo diferente, como gente urbana, no remoinho da cultura brasileira”, afirma o ex presidente da Funai.
O antropólogo defende que os índios querem entender por dentro o que é o mundo dos brasileiros não indígenas, pois sem isso “eles terão poucas chances de sobreviver, manter suas culturas, preservar seu senso de universo e sentimento sagrado, diante das avassaladoras mudanças por que passa a civilização contemporânea”. Nesse sentido, o antropólogo reivindica esse espaço como novo ponto de vivência urbana transcendental para os índios na cidade.
(*) Colaborou Alexandre Braz, estudante de jornalismo. Reportagem publicada originalmente na edição de julho da revista Caros Amigos. Fotos adicionadas na edição do Fazendo Media.