Sem demarcação de terras, índios Guarani são
ameaçados no oeste do Paraná
Cerca
de 2,8 mil indígenas estão sujeitos à agressividade do agronegócio. Em
entrevista, o vereador Paulo Porto fala sobre a situação
Vereador na cidade de Cascavel, no Oeste do Paraná, Paulo Porto
(PcdoB) tem travado uma luta em defesa dos índios da região. Sua principal
bandeira é a demarcação de terras indígenas. Ele desafia ruralistas da região e
políticos que alimentam um sentimento preconceituoso contra os índios e cobra
ações imediatas do governo federal para resolver a situação. Porto, que também
é professor de História da Unioeste, fala, inclusive, de casos de violência
contra povos originários no interior do Paraná.
Brasil de Fato – Quais questões preocupam na região de Cascavel?
Paulo Porto – A grande
questão é territorial. Os Guarani têm uma frase fantástica para explicar isto
que eles falam “sem tekoha não há teko”. Teko significa aldeia e tekoha lugar.
É uma composição linguística. Ou seja, sem aldeia não há cultura. Sem terra não
há povos indígenas. Então, o grande debate nacional, não só no Paraná, é a
questão da demarcação de terras. Se esse debate não for superado, no sentido de
garantir estes territórios ancestrais, nós teremos muitas dificuldades para
garantir os direitos, sejam eles quais forem, dos povos indígenas.
Como está essa situação?
Hoje, em especial em Guaíra e Terra Roxa, temos seis aldeamentos indígenas não
regularizados, dois não reconhecidos pelo Estado brasileiro em Guaíra e quatro
em Terra Roxa. São aldeamentos muito pequenos. Alguns de 1 hectare, outros de 5 hectares. Enquanto
essa situação não for resolvida, ou seja, enquanto não se garantir a posse para
usufruto da terra por estes povos, eles terão uma insegurança jurídica muito
grande, o que acaba fortalecendo um discurso intolerante, preconceituoso em
relação aos povos indígenas. Isso só será combatido quando nós garantirmos a
demarcação territorial desses povos.
Hoje são aproximadamente 3 mil índios nessa região. É isso?
Contando todas as aldeias, cerca de 2,8 mil índios.
Quando se fala em demarcação de terra, o que significa exatamente?
As pessoas não entendem, às vezes, que demarcar terra não é que as terras
seriam dos indígenas. Hoje, pela Constituição brasileira, ao demarcar uma terra
indígena toda posse pertence à União. O indígena não tem a posse, ele tem o
usufruto. Ou seja, ela não pode nem arrendar, nem alugar e nem vender. Essa
terra pertence ao patrimônio público. Então, toda vez que você demarca terra é
terra que vem pra União, ao contrário das grandes extensões de terras privadas
que não pertencem à União. Então, hoje, quando você demarca terra é garantia
territorial, não é uma perda territorial para o Brasil. Segundo dados recentes
do desmatamento brasileiro, nós temos alguns dados científicos de fotos de
satélite que indicam que nós temos quatro níveis de desmatamento no Brasil. As
terras menos devastadas (de 1 para 10) são as terras indígenas; segundo, os parques
nacionais; terceiro, (de 3 para 10), são os assentamentos do MST. O resto são
terras devastadas que são as grandes fazendas, a monocultura, em especial a
soja que se espalha aqui pelo Paraná. Quando se demarca terra indígena, o seu
subsolo, as suas riquezas naturais não podem ser exploradas pelas empresas
privadas e isso causa um grande obstáculo, em especial para o agronegócio.
Agora, ao demarcar terra indígena, passa a ser patrimônio público. Ou seja, não
se perde terra, se ganha terra. O que tem que se combater não são demarcações
territoriais, mas tem que se combater a grande concentração agrária.
Quais os principais argumentos que movem esse tipo de preconceito contra a
questão indígena?
São os mais estapafúrdios possíveis. De que há muita terra para pouco índio. É
um argumento equivocadíssimo. Depende de que povo indígena nós estamos falando.
Os Guarani, por exemplo, são um povo sem-terra no Paraná e no Mato Grosso do
Sul. Existem povos indígenas que têm seu território minimamente garantido, em especial
no norte do Brasil. Mas, vindo para o sul, nós temos povos como os caigangues,
os xetá, xoclem que são etnias do sul que praticamente não tem terra nenhuma.
Outro argumento também muito utilizado é que existiriam interesses de ONGs
internacionais para demarcar as terras indígenas para, a longo prazo, promover
enclaves na soberania nacional para que forças imperialistas explorem o nosso
subsolo. Esse argumento é risível. Até porque, segundo a Constituição
brasileira, demarcou terra indígena, a terra é da União. O que se tem que
combater no Brasil não é a demarcação de terra indígena, mas o capital privado
internacional que está comprando as nossas terras e fazendo grandes
latifúndios. Esses dois são os principais argumentos. Há um terceiro argumento
também que está completamente equivocado de que esses indígenas não
necessitariam de terras porque já são aculturados. Nós temos que ter claro que
a cultura humana se modifica. Não é porque o Guarani de hoje está diferente do
Guarani de 500 anos atrás que não continua sendo Guarani. Nós brasileiros somos
diferentes do que fomos há 100 anos e permanecemos brasileiros. Não é o fato do
indígena usar celular, Facebook, TV a cabo que ele deixa de ser indígena. Que
bom que ele se apropria da nossa tecnologia, mas vai usar da maneira dele. O
fato de ele se vestir como nós não significa, em absoluto, que ele deixou de
ser indígena. Ele permanece com a sua cultura e, obviamente, que nenhuma
cultura humana é fossilizada. Ela se modifica porque os homens se modificam. Então,
nada mais natural do que a cultura indígena se modificar no contato com a nossa
cultura. Isso não quer dizer que eles deixaram de ser indígenas.
Existe um movimento bastante conservador na região oeste que vem de setores
ruralistas, do latifúndio. Qual é o argumento que essas pessoas usam para
impedir que a demarcação aconteça?
O saudoso (Leonel) Brizola dizia uma frase que é a seguinte: “existem
pescadores em águas turvas”. Ou seja, existem políticos aos quais interessa
semear o pânico porque eles vão transformar isto em voto futuramente. Em
especial os deputados da bancada ruralista ligados a esse segmento mais
preconceituoso da população que estão tentando construir esse ninho de votos,
em especial no oeste do Paraná. Os argumentos são de que os indígenas
obstaculizam o desenvolvimento agrário no Brasil. Essa é uma grande falácia até
porque a demarcação de terras é uma fatia muito pequena ao direito que esses
povos têm e não inviabiliza em nada o agronegócio, infelizmente. Não
inviabiliza o setor produtivo. E também não significa que os índios não vão
produzir. Eles vão produzir não na mesma lógica capitalista, produzir para
exportação, mas, com certeza, produzirão alimentos para a sociedade
circundante. São argumentos que não se sustentam, mas que infelizmente vem
ganhando força no Oeste do Paraná, fomentados por deputados estaduais que veem
ganhos políticos a partir da intolerância que é semeada pelos povos indígenas.
Isso pode resultar em assassinatos de índios?
Já estão resultando em ações que nos preocupam muito. Em Guaíra, uma
funcionária da Funai, uma estagiária Guarani, foi sequestrada, por duas ou três
pessoas, numa Hilux preta e foi ameaçada de morte. Houve uma tentativa de abuso
sexual, depois ela foi largada à margem da cidade, na periferia, com o recado
de que a Funai tem que ir embora de Guaíra e que os indígenas não permanecerão
em Guaíra se depender dos fazendeiros. Existem investigações sendo levadas para
chegar aos autores, mas, infelizmente, isso vem acontecendo e a gente vê isso com
muita preocupação também em Terra Roxa, passando por Palotina e chegando até
Cascavel.
Que consequência isso tem para a própria história do Brasil e para a
sociedade?
A palavra “preconceito” já explica. Você julga antes de conhecer. E a história
brasileira é muito forte em relação ao preconceito, seja ao negro, homossexual,
diversidade cultural e indígena. Eu entendo que, nesse momento, todo
fortalecimento do preconceito é algo que vai contra o que a gente acredita de
um Brasil mestiço, solidário, com uma diversidade cultural muito grande. Isso,
no meu entendimento, é um atraso para o povo brasileiro.
É negar também a essência do povo brasileiro que tem elementos indígenas
espalhados em sua cultura.
É negar a própria identidade brasileira. Darcy Ribeiro falava que o Brasil é a
nova Roma. Ele brinca com isso no livro "O povo brasileiro",
entendendo que Roma foi um grande império que conseguiu trazer várias etnias
para dentro de si. O Brasil é assim e nos faz um país diferente, para melhor em
relação ao resto do mundo.
O que falta para essa demarcação de terra acontecer?
Falta vontade política, em especial, do governo federal. Eu sou do PCdoB.
Estamos dentro do governo Dilma, apoiamos o governo Dilma porque o Brasil mudou
para melhor. Agora, nós fazemos críticas em relação à questão indigenista. Nós
entendemos que o governo federal tem que atuar com maior seriedade, atuar mais
posicionado em relação aos povos indígenas e se afastar mais da bancada
ruralista que hoje, infelizmente, é quase que hegemônica no Congresso Nacional.
Eu digo isso com muita preocupação porque é o governo que eu apoio e acredito e
luto por dentro, no sentido de que esse governo se sensibilize e promova as
demarcações de terras indígenas tão necessárias para esses povos.